domingo, 6 de novembro de 2011

Ivan Turguêniev

Um pacífico causador de conflitos 
“Veja o que seus niilistas estão fazendo! Estão queimando São Petersburgo!”
Ivan Turguêniev
Uma nova geração de jovens russos nascia e florescia esperando sempre pelo pior. Que suas vidas  entrassem em colapso assim como a sociedade, o governo, as relações pessoais, o sistema, a organização do que todos aprenderam a se acostumar e julgavam ser o certo.

Essa crise de caráter existencial começou a tomar proporções inimagináveis. Incêndios criminosos e tentativas de assassinato tomavam conta da então capital russa, São Petersburgo. E todos esses distúrbios recaíram sobre um único individuo. Os dedos começaram a ser apontados para Ivan Turguêniev e seu Ievguêni Vassíliev Bazárov, rapaz inteligente, cheio de virtudes, mas que tinha o grande pecado ser um perturbador social, ou seja, um niilista; o nada. Rapaz que nem mesmo Turguêniev sabia como definir os seus sentimentos por ele: se eram de amor ou de repulsa.

Escrita da Rússia moderna

O escritor Ivan Turguêniev caminhava tranquilamente nas ruas da cidade, depois de retornar de uma viagem à Europa, quando, para sua surpresa, o grito de acusação, citado no começo do texto, proferido por um completo desconhecido, lhe atingiu de cheio.

No prefácio da edição traduzida por Rubens Figueiredo do livro Pais e Filhos (Отцы и дети), escrito por Turguêniev, Rubens explica que a narrativa do jovem Bazárov foi escrita em uma época extremamente importante e significativa para História da Rússia. Entre os anos de 1860 e 1862, o tsar Nicolau I decretou o fim da escravidão no país. Ao contrário do que ocorreu nas Américas, por exemplo, em que negros da África eram transportados em navios para trabalhar nas fazendas de café e algodão, os escravos da Rússia eram camponeses nascidos daquele mesmo chão em que eram obrigados a trabalhar. Quem já leu o célebre livro de Nikolai Gógol vai lembrar-se do termo “almas” (души), pois era dessa forma que os servos eram chamados: as almas dos proprietários de terra.

2ª edição de Pais e Filhos
Nesse período, a Rússia ainda dependia basicamente de uma economia considerada até então atrasada, baseada na agricultura e no feudalismo. Opositores dessa organização social, os jovens passaram a exigir grandes reformas, o que provocou a abertura de um abismo entre gerações. Os pais, nacionalistas convictos, lutavam para que as tradições antigas permanecessem; e os filhos, ao contrário, enxergavam uma inferiorização da Rússia em comparação aos costumes do Ocidente europeu. 

O personagem principal de Pais e Filhos, Bazárov, é a caricatura daquela juventude que ardia por mudanças que os aproximassem do progresso do mundo civilizado. Nas palavras de Bazárov, o niilista “é uma pessoa que não se curva diante de nenhuma autoridade, que não admite nenhum princípio sem provas”. Nesse trecho, podemos perceber a influência da corrente positivista que a tudo queria racionalizar. Exaltava os fatos e a prática, em detrimento às ideias e teorias. Orientação científica que já havia se consolidado entre os ocidentais.  

Além da riqueza estilística e literária, o mérito que Turguêniev obteve nesta que foi sua quinta obra se deve, principalmente, ao conseguir identificar e caracterizar as profundas transformações que marcariam a sociedade russa daqueles anos em diante. A polêmica que surgiu antes e durante a publicação da obra, foi a maior de que se tem notícia na literatura russa porque, de fato, se tratava de um tema novo e perigoso.

Repercussão na literatura 

O filósofo e escritor alemão Friedrich Nietzsche ficou conhecido como o autêntico niilista. Nietzsche escreveu exaustivamente sobre a decadência do homem, de ressentimentos e culpas diante de sua própria condição. No entanto, é interessante e importante notarmos que o filósofo tinha uma grande ligação com a literatura russa não por causa de Ivan Turguêniev e Bazárov, mas sim, com outro nome de peso da literatura, Fiódor Dostoiévski e seu “Memórias do Subsolo”. Até mesmo Maxim Górki observou que o cerne da filosofia de Nietzsche está nessa obra.  

“Gigante doce”

"Tourguéneff, le doux géant, l'aimable barbare, avec ses blancs cheveux lui tombant dans les yeux, le pli profond qui creuse son front d'une tempe à l'autre, pareille à un sillon de charrue, avec son parler enfantin, dès la soupe, nous charme, nous enguirlande, selon l'expression russe, par ce mélange de naïveté et de finesse : la séduction de la race slave, - séduction relevée chez lui par l'originalité d'un esprit personnel et par un savoir immense et cosmopolite." 
- Edmond de GoncourtJournal des Goncourt. Mémoires de la vie littéraire

Ivan Sergeievitch Turguêniev (Иван Сергеевич Тургенев) nasceu na cidade de Orel, atual Ucrânia, em uma família de ricos proprietários de terra, em 1818. Era descrito como um homem de índole pacífica e original e levemente suscetível a críticas. Uma de suas características literárias é que ele mesmo afirmava basear-se em pessoas que conhecia e convivia para criar seus personagens. Segundo o próprio autor, ele nunca criou um personagem sem ter se inspirado em uma determinada pessoa. 

Grande amigo do francês Gustave Flaubert, autor de “Madame Bovary”, e de Liev Tolstói, a quem exercia certa influência. Após escrever uma carta endereçada ao compatriota, pedindo-lhe que voltasse para a literatura, Tolstói ainda escreveria as novelas “Sonata a Kreutzer” e “A morte de Ivan Ilitch”. 

A relação entre Turguêniev e Tolstói nem sempre foi amistosa. Tolstói chegou a escrever em seu diário o que considerava do colega: “Turguêniev é um tédio”. Por volta de 1861, a animosidade entre os dois ficou mais acentuada quando um incidente levou os dois a trocarem insultos entre correpondências ao que Tolstói desafiou Turguêniev para um duelo. Este, por muitas vezes chamado de covarde, logo se desculpou com o escritor e ambos ficaram sem se falar por 17 anos. 

A qualidade de seu trabalho como escritor lhe valeu o reconhecimento e a fama que o colocavam lado a lado de Dostoiévski, com quem não mantinha boas relações por razões tanto religiosas quanto políticas: Turguêniev, muito mais europeu do que russo e sem a mínima pretensão de escrever sobre temas religiosos. Dostoiévski, defensor da cultura eslava e sempre questionando a moral religiosa. Dostoiévski além de utilizar um trecho do poema A Flor (Цветок) de Turguêniev como epígrafe de Noites Brancas, também imortalizaria o autor em seu romance Os Demônios, como o bajulador Karmazinov.

Quando morreu, em 1883, seu corpo foi recebido por uma massa de pessoas e enterrado em São Petersburgo. Além de “Pais e Filhos”, Turguêniev escreveu outras narrativas primorosas da literatura universal como “Notas de um caçador”, seu primeiro livro ainda sem tradução direta no Brasil; “Ássia”; e “Primeiro amor”.

Este post marca a estréia da jornalista Aline Veras no blog.

2 comentários:

  1. Vim dividir minha opinião sobre Pais e filhos, embora não seja elogiosa. Está publicada no link abaixo.

    O seu comentário sobre o livro é melhor que o próprio livro.

    Abraços!

    http://brasiliada.blogspot.com.br/2013/05/um-russo-erra-mao.html

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  2. Bela análise... Essas relações entre Tolstoi e Flaubert chamaram-me mta a atenção. Parabéns pela pesquisa, só acho que faltou uma palavra sobre Ana Odintsova, viúva extremamente apetitosa e sublime, com sortilégios tais que desbancam Bazárov de sua superioridade ideológica insinuando q o niilismo pode ser frágil diante de uma mulher tão bela e fleumaticamente carismática.

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